Certa vez, durante a minha graduação em História, apresentei um seminário sobre um texto intitulado “Celebrar outubro, problematizando.” do historiador Muniz Ferreira, acerca do período da Revolução Bolchevique. Ocorre que eu fiz esta apresentação sozinho e o professor da disciplina de História Contemporânea era o próprio autor do artigo. Ele estava ali, na minha frente. Eu não tinha estudado o suficiente e foi um terror. Se eu cometesse algum erro, seria prontamente corrigido (isso aconteceu algumas vezes naquele dia). Aquela experiência dolorosa serviu para que eu aprendesse algumas coisas importantes. Uma delas foi ser cada vez mais disciplinado com os estudos. Outra, foi que existem algumas datas que devem ser celebradas, mas sempre oportunizando a reflexão e o debate.
O 8 de Março é exatamente um destes casos.
O Dia Internacional da Mulher é um momento de homenagear grandes símbolos da luta por maiores direitos para as mulheres e uma oportunidade valiosa de analisar as conquistas e retrocessos que têm acontecido neste campo. O áudio do Deputado Arthur do Val revelou os absurdos que o machismo, o sexismo e a misoginia podem proporcionar. É triste notar que ainda existem tantas pessoas que buscam espaços para mostrar o lixo moral que guardam por debaixo das máscaras da hipocrisia. Recentemente, tive uma discussão com um pretenso defensor da família tradicional brasileira que admitia, num grupo de Whatsapp só com homens, que traía a esposa com meticulosa regularidade. Quando expus a incoerência do comportamento, ele deixou o grupo irritado. Como diria Voltaire “o segredo de aborrecer é dizer tudo”. São pessoas que mostram seus verdadeiros valores onde acham que encontrarão cúmplices.
Assim como me senti marcado pela presença do especialista naquele fatídico seminário, estou ciente de que devo assumir uma posição humilde neste debate. Sendo assim, recorro às mulheres artistas e intelectuais que promovem as discussões sobre igualdade de gênero mundo afora. Gosto muito do filme “Eu não sou um homem fácil” da diretora Éléonore Pourriat. Disponível na Netflix, a obra conta a história de Damien, um homem que abusa de todos os privilégios que uma sociedade patriarcal oferece. Após um acidente, ele acorda num mundo onde os papéis foram invertidos e são os homens que sofrem com a opressão e a desigualdade de gênero. O roteiro aborda questões acerca do exercício da sexualidade e o rótulo de "fácil" que é colocado nas mulheres. É simples, inteligente e didático. Acho que até Arthur do Val entenderia. Ou não…
Fácil mesmo é desqualificar integralmente um movimento social ao tomar os seus extremistas como padrão. Este é o caso do feminismo. No livro “Sejamos todos feministas”, de Chimamanda Ngozi Adichie, a discussão gira em torno do que significa receber este título no século XXI. Feminista não pode usar batom? Não pode ter vaidade? O raciocínio sofisticado da escritora nigeriana é transmitido com leveza através das páginas da publicação. É uma leitura curtinha, proveniente de um ciclo de palestras realizado pela autora no continente africano. Serve para você emprestar àquela mulher que batalhou toda vida por direitos e independência, mas acha que ser chamada de feminista é ofensivo.
Seria um clichê válido afirmar que “todo dia é dia da mulher” se todas elas sempre fossem tratadas como nesta data. Deixo aqui minha homenagem às minhas mães, que são os grandes exemplos da minha vida e a meu bem, minha companheira, que dentre tantas contribuições, me apresentou ao livro de Chimamanda Ngozi Adichie . Celebremos, sim, o 8 de Março, problematizando.
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